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15 DE AGOSTO DE 2023
Redes de atenção a egressos fomentam participação social na execução penal
O fortalecimento da participação social em todas as fases da execução penal, necessidade que se estende à etapa pós-cárcere, vem sendo incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir o retorno à vida em liberdade de forma harmônica conforme determina a Lei de Execução Penal. Uma das ferramentas para esse fim são as Redes de Atenção à Pessoa Egressa (Raesps), movimento iniciado no Rio de Janeiro em 2006 que reúne sociedade civil, instituições governamentais, movimentos sociais e pessoas que atuam em prol dos direitos daqueles que deixaram a privação de liberdade.
O principal objetivo dessas redes é promover a superação dos obstáculos da vida pós-cárcere por meio de participação social, comunicação, capacitação e articulação para concretização de políticas públicas. A partir do alinhamento com a Política Judiciária de Atenção a Pessoas Egressas (Resolução CNJ n. 307/2019), o CNJ vem fomentando a multiplicação das Raesps pelo país, agora em oito unidades da federação – além do próprio Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Ceará, Minas Gerais, Maranhão e Mato Grosso do Sul e Tocantins. Para 2023, quatro unidades da federação estão em tratativas para implementação de Raesps. Em junho, o CNJ participou do lançamento da Rede Nacional de Atenção às Pessoas Egressas para promover a troca de experiências e boas práticas entre as Raesps.
“A disseminação de iniciativas com foco no encaminhamento e orientação de pessoas egressas do sistema prisional é algo que diz respeito a todos nós. Não há como se falar em uma retomada digna da vida pós-cárcere sem políticas consistentes que deem condições de acesso a trabalho, renda, educação e saúde a esse público já tão vulnerabilizado”, afirma o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi.
As ações voltadas ao fomento e fortalecimento dessas redes integram o portfólio do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e diversos parceiros para incidir em desafios no campo da privação de liberdade. A atenção a pessoas egressas também está prevista nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela), que dispõem sobre a reintegração, indicando a necessidade de que as autoridades garantam assistência, educação, documentação, formação profissional, trabalho, inclusive com a existência de instituições capazes de prestar acompanhamento pós-soltura.
Mudança de paradigma
A sala está em silêncio a partir da pergunta: “Quem aqui tem coragem de contratar egressos do sistema penal para trabalhar dentro de suas casas?”. A cena aconteceu durante uma palestra realizada por um representante da Rede de Atenção à Pessoa Egressa (Raesp) do Maranhão, André Barreto. “É uma visão muito difícil de ser combatida. Eu defendo que a atenção aos egressos é uma mudança de paradigma civilizatório”.
A primeira Raesp, no Rio de Janeiro, surgiu quando um pequeno grupo que atuava em organizações voltadas ao atendimento direto a pessoas egressas se mobilizou para criar uma iniciativa conjunta. “De sete instituições, partimos, hoje, para 84 na Raesp-RJ”, conta Ozias da Silva, representante da coordenação da rede no estado. Hoje integrante da equipe do Fazendo Justiça, Mariana Leiras foi uma das fundadoras da rede fluminense e conta que, desde o início, a proposta era dar visibilidade às pessoas egressas e suas demandas. Foi nesse espírito que, em 2019, contribuiu tecnicamente para que a metodologia chegasse ao Tocantins. “Em 2018, na Raesp-RJ, estabelecemos que nossa visão era ser referência nacional no tema de redes e do trabalho com pessoas egressas, nem poderíamos imaginar que chegaríamos tão rápido a um cenário desse”.
Na prática, ter as várias instituições que lidam com o tema em contato, lado a lado, traz mais agilidade e abrangência às ações. “Eu não tinha ideia do tanto de gente que trabalhava no tema, era pulverizado pelo estado. A Rede surge para fazer essa articulação, unir essa colcha de retalhos, trabalhando juntos e construindo pontes. Isso faz toda a diferença no dia a dia”, explica o professor da educação prisional e coordenador da Raesp do Rio Grande do Norte, Francisco Augusto.
Vencendo estigmas em rede
“As pessoas deixam o sistema penal com um estigma muito grande, e cabe ao Judiciário também um papel proativo nesse tema, aumentando o ‘abraçamento’ dessas pessoas”, aponta o juiz coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e integrante da Raesp, Geraldo Fidelis. “A pessoa sai da penitenciária sem ter para onde ir, não tem teto, roupa, emprego. Fica desassistida, em um ciclo vicioso muito grande. É preciso mudar para um ciclo virtuoso, e só uma rede forte pode fornecer isso”, pontua o juiz, citando dispositivo da Lei de Execução Penal, que determina a criação de condições para a harmônica integração social das pessoas que passam pelas prisões.
“Se iniciativas como a Raesp existissem quando eu saí, eu estaria dez anos para frente”, sorri o advogado Assis Nobre, integrante da Raesp Maranhão. Com algumas passagens pelo sistema penitenciário, Nobre conta que, sem emprego, sem perspectivas ou acolhimento, por diversas vezes teve de se alimentar a partir de restos do lixo. Hoje advogado, com livros publicados, ele reconhece que políticas como as fomentadas pelas Raesps são fundamentais para garantir que histórias de superação, como a dele, não sejam exceção. “É uma benção perceber que a sociedade está ali para oferecer oportunidades, que entende seus problemas e as marcas que traz. Isso faz toda a diferença”.
“Se não for inserida socialmente, provavelmente a pessoa vai reincidir”, argumenta o coordenador colegiado da Raesp de Mato Grosso, primeiro coordenador da Renaesp e presidente da Associação Mais Liberdade, Sandro Lohmann. “Há muito preconceito com pessoas egressas, é uma pauta difícil”, complementa. Lohman, que é egresso do sistema penal, conta que já ouviu um diretor de escola dizer que não aceitava estudantes que tivessem tornozeleira eletrônica, impedindo que egressos tivessem acesso à educação. Foi preciso um grande trabalho de sensibilização, mas também de articulação da Raesp junto à Secretaria de Educação para que fossem emitidas diretrizes que garantissem o acesso. “Com a rede, o atendimento das demandas ficou mais completo, todo mundo ficou mais próximo e passou a conhecer melhor o trabalho dos outros”, explica.
Conhecimento compartilhado
“A Raesp é um ambiente de diálogo, de conversa, de encaminhamento de demandas. E a partilha desse conhecimento do funcionamento das redes é fundamental para a expansão e fortalecimento do trabalho”, indica o representante da Raesp-RJ, Ozias da Silva. Silva foi um dos responsáveis pela redação do Guia Prático de Implementação de Raesps, publicação do CNJ por meio do Fazendo Justiça que traz metodologias e ferramentas para a criação de novas Redes. “Esse Guia traz os pilares de formação da Raesp, que deve ser um espaço seguro e democrático, impulsionador da participação social de movimentos, associações de familiares, de pessoas egressas que sobrevivem ao cárcere e enfrentam dilemas importantes”, resume o assistente técnico do Eixo de Cidadania no Fazendo Justiça, Ítalo Siqueira.
Ainda no campo da disseminação de conhecimentos, em 2021, CNJ, PNUD e Instituto Igarapé iniciaram parceria para coleta e sistematização de informações disponibilizadas no Portal para a Liberdade. O portal reúne artigos e documentos relacionados a pessoas egressas, pesquisa sobre fatores condicionantes da reentrada no sistema prisional e levantamento das organizações do setor público e da sociedade civil voltadas para essa população, entre outras informações.
Também estão disponíveis no site duas publicações realizadas no âmbito desta parceria: a primeira, apresenta o histórico e desafios da Raesp-RJ, assim como as soluções encontradas para a continuidade e melhoria da sua atuação; e a segunda, acompanha a implantação dos dispositivos de apoio e atenção em cinco estados. “A disponibilidade de informação de qualidade de uma forma acessível para toda a rede é uma poderosa ferramenta para ação. Não apenas desmarcarmos os mitos que são reproduzidos sem base na realidade, como iluminamos o imenso vazio de dados que ainda existe sobre essa população. A formulação de políticas públicas que efetivamente funcionam depende de um diagnóstico preciso da realidade” afirma Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé. “O portal da liberdade ainda disponibiliza informações sobre as organizações que atuam no tema. É uma ferramenta para aproximar todos que atuam na atenção a pessoas egressas do sistema prisional brasileiro” completa.
Texto: Renata Assumpção
Edição: Débora Zampier e Nataly Costa
Agência CNJ de Notícias
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