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14 DE SETEMBRO DE 2023
Fonape: raça e gênero e trajetória das alternativas penais abrem segundo dia
O chamado para iniciar uma nova etapa nas políticas de alternativas penais no Brasil, com ênfase na qualificação dos serviços e as articulações necessárias entre Poder Judiciário e Poder Executivo, marcou o início do segundo dia do 4º Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), realizado na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em Brasília. Ainda durante a manhã desta quinta-feira (14/9), outro destaque foi a mesa temática sobre questões de raça e gênero nas políticas penais.
Na avaliação do juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoração e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi, o Brasil vive uma terceira onda das alternativas penais, em que a participação interinstitucional é fundamental. “Este momento é caracterizado por um arcabouço legal construído pelo CNJ com o objetivo de aprimorar as políticas públicas para as alternativas penais em todos os seus aspectos, desde o treinamento de servidores e o fortalecimento de serviços especializados até a garantia de acesso a direitos por parte da população custodiada”. Ainda de acordo com Lanfredi, o conjunto de normativas e orientações na área “cria condições de funcionamento da política de alternativas penais, para que elas possam não apenas somar, mas substituir e ser preponderantes ao paradigma encarcerador”.
O coordenador do DMF lembrou que apenas em 1980 o Brasil incluiu as penas alternativas na sua legislação, e a chamada primeira onda teve pouco impacto na redução do encarceramento no país. Uma segunda fase teve início nos primeiros anos da década passada, cujo marco foi a Lei das Cautelares (Lei n. 12.403/2011), incluindo outros instrumentos de contenção e acompanhamento para além da prisão provisória. “Poucos anos depois, as audiências de custódia, que foram parte de um projeto incentivado pelo CNJ a partir de 2015, criaram um momento de controle obrigatório da porta de entrada do sistema prisional”. O juiz ressalta que um dos impactos foi a diminuição participação das prisões provisórias no total de prisões, de 40% para 27%. Foi também nessa segunda onda que o Poder Executivo criou a Política Nacional de Alternativas Penais, fomentando novos serviços pelo Brasil com foco nas medidas diversas da prisão.
Leia mais: 4º Fonape: Rosa Weber abre reflexões sobre alternativas penais na aplicação de leis sobre drogas
Democracia, segurança e política de drogas
Para a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça, Marta Machado a democracia exige um olhar para a questão da segurança pública e a desigualdade social. “Temos também a questão das drogas, do racismo institucional, da Justiça penal e o sistema penitenciário. Se a gente não estiver cuidando disso, não estaremos cuidando da nossa democracia”. Ela lembrou da importância da relação entre a temática das drogas e da política prisional: quase um ¼ dos presos respondem por crimes ligados à Lei de Drogas.
Na avaliação do secretário nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, Rafael Velasco, a política penitenciária brasileira é excessivamente voltada para a criação de mais vagas, o que não se mostra efetivo em nenhum aspecto, sobretudo no uso de recursos públicos. “Temos um crescimento entre 35 e 50 mil pessoas por ano na população carcerária brasileira, e esse aumento custa para o Estado Brasileiro R$ 900 milhões todo ano”. Velasco lembra ainda dos 118 mil presos em regime semiliberdade que dormem em celas, medida que custa R$ 221 milhões por ano aos cofres públicos e supera os R$ 50 milhões investidos anualmente pelo governo federal em alternativas penais. “Há forma mais eficazes tanto socialmente quanto financeiramente de aplicar essa verba”.
Mediador do debate, o juiz do Tribunal de Justiça do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Douglas de Melo Martins, incentivou reflexões para que a sociedade compreenda que o encarceramento em massa não soluciona os problemas de segurança pública. “Essa ideia do encarceramento em massa como caminho para construir uma sociedade de paz já se mostrou fracassada há muito tempo”.
Perspectiva racial e de gênero
No painel “(Re)produção das desigualdades de raça e de gênero no contexto das políticas de drogas”, a juíza auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF, Karen Luise Souza enfatizou a necessidade de um debate profundo sobre as questões raciais e de gênero no contexto das políticas de drogas no Brasil. “Há um longo caminho para reverter as violências exercidas contra grupos que povoam o cárcere em função de substâncias rotuladas como ilícitas pelo Estado: jovens negros, pobres, periféricos e também mulheres”. Segundo ela, é preciso enfrentar as desigualdades raciais presentes no sistema penal brasileiro.
A ex-perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Deise Benedito, abriu sua intervenção destacando a importância do debate sobre políticas de drogas e sua relação com a população negra no Brasil, destacando que os primeiros aprisionados no Brasil foram os povos indígenas. Benedito também fez uma conexão entre o processo de escravização, o tráfico de pessoas e o sistema penal atual, destacando as semelhanças nas condições de aprisionamento.
“Eu digo que a escravidão foi uma execução de uma pena sem que houvesse um crime. Porque você tira o fator principal, que é a liberdade de uma pessoa”. A utilização de algemas ao longo da história, desde o tráfico negreiro, é outro elemento para a perpetuação do racismo na guerra contra às drogas. “A lógica punitivista e escravista precisa sair do nosso horizonte”, disse, sugerindo que as penas alternativas se inspirem nas aldeias indígenas e quilombolas que resolvem os conflitos a partir de experiências seculares, com outros métodos que não a prisão.
Coordenadora-geral de projetos especiais sobre drogas e justiça racial da Senad do Ministério da Justiça, Lívia Caseres destacou o trabalho da Senad para um avanço civilizatório nas políticas sobre drogas. “Um objetivo é a produção de políticas específicas para os grupos mais vulnerabilizados, em especial a juventude negra e periférica, que é afetada tanto pelas ações do Estado quanto pelas redes criminosas do narcotráfico. E nós pretendemos ainda construir uma agenda de reparação voltada a pessoas negras”.
4º Fonape
O 4º Fórum Nacional de Alternativas Penais é organizado pelo CNJ com apoio do programa Fazendo Justiça [LINK: https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/fazendo-justica/], parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Conta ainda com apoio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos e a Secretaria Nacional de Políticas Penais, ambas do Ministério da Justiça.
Reveja a programação da manhã desta quinta-feira (14/9)
Texto: Pedro Malavolta e Midiã Noelle
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias
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