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24 DE MAIO DE 2023
Artigos apontam questão racial entre causas de reconhecimentos falhos na Justiça criminal
O desafio de evitar condenações injustas com base em reconhecimentos equivocados e com forte componente racial nos procedimentos adotados pela Justiça Criminal, desde a delegacia de polícia até os tribunais, é tema da coletânea “Reflexões sobre o Reconhecimento de Pessoas: Caminhos para o Aprimoramento do Sistema de Justiça Criminal”. A publicação é iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e reúne 17 artigos científicos.
Os artigos foram selecionados pelo Grupo de Trabalho (GT) composto por 43 especialistas de vários ramos do direito e da sociedade civil, como juristas, psicólogos e cientistas sociais. Os trabalhos apontam o racismo estrutural do país e os erros nos procedimentos de reconhecimento de suspeitos ou testemunhas como os principais fatores que explicam acusações formais e prisões de inocentes no país.
O coordenador do GT e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogerio Schietti Cruz, apontou as graves consequências dos reconhecimentos falhos em processos criminais, não só para a vida das pessoas acusadas injustamente, mas também para a Justiça. “É preciso ter em mente que, ao mesmo tempo em que os reconhecimentos equivocados atravessam de forma determinante, e muitas vezes irreparável, a vida de pessoas inocentes, deixam impunes os verdadeiros culpados”, enfatizou em evento on-line de lançamento, nessa segunda-feira (22/5).
O ministro citou o racismo estrutural que permeia os reconhecimentos equivocados e destacou a abordagem multidisciplinar da coletânea, que traz os mais recentes estudos e as pesquisas sobre psicologia do testemunho e aponta as modernas práticas de capacitação de profissionais do sistema de Justiça para a realização do procedimento.
Schietti ressaltou, ainda, que a aprovação da Resolução CNJ 484/2022, em dezembro do ano passado, reforçou o compromisso do Poder Judiciário com a realização de reconhecimento de pessoas em estrita obediência aos critérios legais e científicos mais atualizados. A resolução estabeleceu diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário.
Falta de técnica
O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi, disse que os artigos deixaram clara a falta de técnica nos procedimentos de reconhecimento. O juiz auxiliar da Presidência do CNJ também atribuiu parte do problema ao racismo. “Era necessário e urgente enfrentarmos essa questão. Acostumamo-nos a replicar entendimentos acriticamente, sobretudo boa de ordem procedimental e não nivelamos a interpretação do direito para compensar as assimetrias sociais que se projetam sobre o sistema de justiça e a partir da atuação de seus diferentes atores, e que turvam a distribuição da justiça”, afirmou. Para o juiz, a coletânea vai contribuir para as reflexões e os debates destinados ao fortalecimento do Estado do Direito no âmbito da Justiça Criminal.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise Vilanova ressaltou a importância da coletânea em especial para a população negra do país. Segundo ela, é fundamental transformar a cultura institucional no que diz respeito às relações raciais. “Precisamos construir políticas judiciárias com base nas evidências que esses dados nos apresentam, na capacitação de magistrados e servidores e trabalhar prevenindo e combatendo o racismo estrutural e o racismo institucional”, destacou. A juíza reafirmou o compromisso do Judiciário no combate à discriminação racial, por meio de ações como o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial.
A defensora pública Caroline Tassara apresentou levantamento nacional realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a partir de casos de reconhecimento fotográfico equivocado. A pesquisa constatou que, em 83% dos casos, as pessoas apontadas como culpadas eram negras. Além disso, em 60% dos casos houve a decretação de prisões preventivas com a duração de aproximadamente nove meses. “Ou seja, quase um ano de privação de liberdade por um fato que a pessoa não cometeu. Essa não é a justiça que nós buscamos e é urgente mudar essas práticas”, lamentou.
Para o advogado Maurício Dieter, professor da Universidade de São Paulo (USP) e relator-geral do GT de Reconhecimento Pessoal, a coletânea de artigos é uma obra de enorme interesse prático como baliza científica para as demandas que evitam a condenação pelos falsos reconhecimentos. Participaram ainda do webinário de lançamento da coletânea “Reflexões sobre o Reconhecimento de Pessoas: Caminhos para o Aprimoramento do Sistema de Justiça Criminal” os advogados Cleifson Dias Pereira e Andrea Vaz de Souza Perdigão.
Texto: Michelle Martins
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
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